Have an account?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

As Minhas Causas

Durante o processo de preparação do XII Congresso do PAICV houve momentos «dolorosos» para mim.

Reflecti muito, ainda antes da minha recandidatura a Presidente do Partido – fiz o lançamento da candidatura às primeiras eleições directas para Presidente do PAICV precisamente no dia do nascimento de Amílcar Cabral, a 12 de Setembro de 2009. As eleições foram no dia 11 de Outubro.

Pensei muito sobre as razões que me levaram a fazer e a estar na política – não me considero um político profissional, não quero fazer da política o meu modo de vida. Diria que, neste mundo, há mais vida para além da política.

Quando criança convivi de perto com a pobreza. Nunca me faltou nada em casa, levava uma vida remediada. E não entendia bem as razões de tanta miséria – gente que sequer podia levar a panela ao lume ou comprar um pedacinho de peixe que fosse para por na cachupa, só o «caldo de galinha», outros nem isso. As desigualdades gritantes entre «brancos» e pobres, a dramática escassez de água, «os campos sem nada; os meninos espantalhos atirando fundas; as lágrimas vertidas por aqueles que partem», as casas de pedras soltas sem fumo, sem pão, sem luz e sem palavras, estas esmagadas pela dor, pela desesperança, pela morte lenta.

Fora do meu alcance as razões de tanta angústia, desta resignação toda, as razões de tanto sofrimento.Quis, desde cedo, ser Padre, sempre quis partilhar com as pessoas os valores nobres do cristianismo, que ia aprendendo na Igreja, e marcam profundamente a minha forma de ser e de estar, sempre propugnei por uma sociedade mais igual, mais justa, mais solidária, tive sempre um desejo ardente de servir, de realizar o bem comum.

Filho de mãe solteira, não pude entrar no Seminário de São José – João Branco, meu avô, santantonense de gema, também nunca gostou da ideia… Mas sempre ajudei à missa – lembro-me com saudades dos Padres Moniz e António Botelho, meus grandes amigos.

Padre Moniz emprestou-me os primeiros livros sobre a Igreja e a literatura portuguesa, enfim, um professor – participei em grupos de teatro da Igreja, lembro-me da homenagem ao Senhor Padre Luís Allaz nos 25 anos da sua chegada a Santa Catarina e o poema que recitei «…Missionários de Deus, que tudo dão a Deus no seu adeus… e lá vão, lá vão…», fui catequista, ainda muito jovem, tal a confiança que o saudoso António da Moura, responsável dos catequistas em Pedra Barro, tinha em mim…

Depois, com os olhos postos no serviço público, a minha grande ambição era ser Administrador do Concelho – pensei que, tendo poder, podia ajudar as pessoas, maxime os mais vulneráveis, os menos possidentes, a viverem com mais decência e mais dignidade.

Mais tarde, na escolha do curso, agronomia ou medicina, para apoiar os agricultores ou contribuir para a saúde das pessoas, eram as minhas preferidas. Aliás, só não me inscrevi no grupo de ciências na altura, porque no dia em que me desloquei à Praia para fazer a matrícula no então 6º ano (1º do Curso Complementar), não trouxe de Assomada o BI e, depois, depois quando vim fazer a matrícula, o Zé Hopffer e o Tonecas, meus grandes amigos do Liceu, tinham-me já influenciado a mudar de ideia, e decidi fazer o 4º Grupo, que daria abertura para economia e gestão.

Acabei por concluir o 7º ano com o 3º Grupo, na altura já desejando cursar direito, para ser magistrado e fazer justiça, ou sociologia. Hoje sou formado em Administração numa escola de negócios e governação. Depois conto-vos a história toda.

É claro que pelo meio tivemos o 25 de Abril, tinha 14 anos na altura, e a revolução da Independência. Desde o primeiro momento percebi que a Independência era o caminho para a liberdade, para a dignidade das cabo-verdianas e dos cabo-verdianos.

Participei em todos os comícios, em todas as manifestações, em Assomada e na Praia. No dia 05 de Julho, fugi e vim à Praia com o meu grande amigo Anterona, para assistir, na Várzea, à proclamação da Independência, através daquela voz potente e embargada pela emoção de Abílio Duarte. Percebi logo que um mundu novu tava ta konki na porton di nos ilha. E foi a explosão e uma vontade enorme de agarrar o futuro.

Foi essa inabalável crença minha na dignidade da pessoa humana, foi esse desejo incontido de promover o bem comum, de construir uma sociedade mais justa e mais solidária, o meu amor ilimitado pela liberdade, que me empurraram, com 17 anos, para a política, muito com a ajuda do Zé Hopffer, este sim muito mais adentro das questões políticas da época e mais conhecedor dos meandros político-partidários. Fenómenos havia ainda intangíveis para mim no mundo da política.

Fui eleito Deputado, Presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina, Primeiro Ministro. A política só vale a pena quando é feita com nobreza, com tolerância, com responsabilidade, com ética, para servir o bem comum.

Nove anos depois de chegar ao poder, teria de reflectir se faz sentido continuar, se ainda tenho vontade e energia suficientes, se ainda tenho capacidade para criar ideias novas e inovar, a humildade para ouvir e melhorar.

Tinha de recuar um pouco e analisar e avaliar este percurso de 9 anos, para saber se ainda podia ser útil à sociedade, se podia continuar a liderar de forma criadora e inovadora o meu país neste fantástico processo de transformação para a construção de uma sociedade mais livre, mais democrática, mais igual, mais justa e mais solidária.
Foram momentos «dolorosos» de intensa reflexão, quase sempre sozinho, no silêncio do meu quarto.

Concluí, com toda a humildade, que, ainda, tenho muito a dar a este país. Por isso decidi submeter-me ao sufrágio dos militantes do meu Partido, e, consequentemente, à avaliação dos cabo-verdianos nas próximas eleições legislativas. Não tenho mais nenhuma ambição senão a de continuar a servir o meu país.

O XII Congresso foi um grande momento de liberdade e de democracia. Criamos e inovamos. Temos novas respostas para estes novos tempos. Merecemos continuar juntos a construir, com muito amor à terra, o futuro.
JMN

7 comentários:

Minda disse...

Acredito que como jovem que foi tenha sonhado com um Cabo Verde melhor e lhe garanto desde meu humilde ponto de vista que contribuiu e fez por que tal acontecesse, e muitos como eu lhe estamos gratos.

Nas suas palavras vejo coisas que já fez e coisas que ainda quer fazer e fico satisfeita em poder ler este texto e lhe convido com todo o meu respeito a que reflicta "bem e muito" nestas suas palavras, pois tenho a sensação de que está a se desviar dos seus objectivos ou que talvez esteja se "perdendo" no meio de tanta coisa que ainda há por fazer.

Adentre verdadeiramente na nossa sociedade e compare-a com a sociedade em que viveu, se olhar bem, vai ver que encontra gente que mal consegue ter para por o "caldo de galinha" na cachupa, vai ver crianças com sonhos mas que na sua vida lhes falta um Padre Moniz ou um Antonio da Moura que confie neles e em quem possam confiar...

Eu sou jovem e também sonho e não quero pensar que o homem que eu admirei na minha adolescencia e que se tornou PM do meu país, nao pode colaborar na realizaçao dos meus sonhos, de um Cabo Verde ainda melhor.

Sensacionalismo ou nao por parte dos jornalistas a delinquencia juvenil na nossa sociedade é um "fel" a tratar com seriedade, a POLICIA nunca que vai ser um Padre Moniz ou um Antonio da Moura para eles...

José Maria disse...

Arminda,

Muito obrigado pelos teus comentários. Le e comenta, sempre que possível. Estou disponível para um debate aberto de ideias, desde que seja elevado e fundamentado.

Tenho consciencia que ainda há muita pobreza em Cabo Verde, muitas desigualdades também. Todavia, em 1990, cerca de 48% dos cabo-verdianos eram pobres, em 2000, eram cerca de 37% os pobres e, em 2007, cerca de 26%. Os ultimos dados apontam para cerca de 24%. Como podes constatar estamos *dor a dor, ilha a ilha... devagar é certo, mas avaçando...* a realizar os nossos sonhos. Realizamos já em Cabo Verde, no item referente a pobreza, os objectivos do milénio. Concerteza que ainda nao realizei todos os meus sonhos, mas sinto-me satisfeito por poder ser um dos protagonistas deste fantástico processo de transformaçao social, económico e político do meu país. Tenho a verdadeira dimensao dos desafios que ainda temos pela frente, mas também dos extraordinários ganhos que juntos temos conseguido nos últimos anos.
E se continuarmos juntos esta caminhada, tenho certeza que conseguiremos num tempo nao muito longinquo realizar os sonhos dos nossos poetas, dos nossos pais, dos nossos avós, enfim, os nossos sonhos.

JMN

VOZ DE POVO disse...

Acredito que o cidadão José Maria Neves tem inspirado num espiritualismo altruísta, onde muitos elegeram como alicerce da politica. Por isso, Amilcar Cabral era um grande Racionalista Cristao e Mahatma Gandhi, cujo princípio do satyagraha, freqüentemente traduzido como "o caminho da verdade" ou "a busca da verdade", também inspirou gerações de ativistas democráticos e anti-racismo, incluindo Martin Luther King e Nelson Mandela. Freqüentemente Gandhi afirmava a simplicidade de seus valores, derivados da crença tradicional hindu: verdade (satya) e não-violência (ahimsa).
Um politico sem base espiritual pode cair-se na tentação de se tornar num grande ditador e diabo do poder.
Por isso, peço ao meu camarada que siga as linhas do bem, porque apesar dos sacrifícios, dor e sofrimento, vira a felicidade, única ferramenta que nos alivia a consciência nas horas de prestação de contas.
Sua biografia e teu estilo de vida fez-me mais próximo de si, sem no entanto estarmos fisicamente juntos. Mas estamos juntos na politica, espiritualidade e ideais que enobrecem os políticos de Novos Tempos e Novas Respostas
Napoleao Vieira Andrade

Geovane disse...

Belo texto. Voce realmente tem sido a nova resposta para os novos desafios. Creio que a sua experiencia e seus sonhos de infancia o tenha ajudado nessa edificacao. Entretanto, nao encontro explicacao de como as respostas para os desafios da ilha do Fogo, como e nacionalmente reconhecida, tem estado sempre atrasada. Enquanto outras ilhas ja vao na segunda e terceira vagas no asfaltamneto de estradas, Liceus, Portos e aeroportos, nos estamos, ainda, na era das justificacoes, desculpas e explicacoes. Tenho fe e desejo que a sua sabedoria o guie, chamando atencao as chefias inter-medias sobre os projectos para o Fogo, de forma a manter solida a boa imagem que temos de si, permitindo, assim, manter sempre erecta e solidifiada o pilar que e ali erigido.
Aceite a nossa disponibilidade de estarmos juntos na construcao das novas respostas.

Claudio Fonseca, Norwich, CT, USA
manduco.net

Unknown disse...

Caros e estimados.
Venho por este meio solicitar que me ajudem a divulgar este ideia/projecto em fase de concretização num apelo ao espírito aventureiro de todos aqueles se sentindo-se capazes e tendo disponibilidade e força de vontade, caboverdeanos ou não, se predisponham a investir 30 dias das suas vidas neste desafio onde o deserto é apenas uma ponte.
Obrigado antecipadamente.
Marco Além
marcoalem@gmail.com
Procuro alma(s) aventureira(s) (m/f) para uma viagem entre Lisboa/Dakar ou Bissau em bicicleta de aproximadamente 3.000 km (até Dakar). A ideia é percorrer entre pedais e tendas países como Portugal, Espanha, Marrocos, Sahara Ocidental Mauritânia, Senegal e, possivelmente Gâmbia e Guiné Bissau. A viagem deverá ser feita a uma média de 100 km dia durante 30 dias.

Joana C. disse...

É por causas assim que tudo vale a pena.

É por causas assim, verdadeiramente sentidas, que se pode ir mudando o mundo, sempre, para melhor. Como bem diz, para “uma sociedade mais igual, mais justa, mais solidária”…

As suas palavras tocaram-me, também por as sentir minhas, desde sempre. Escrevo-lhe, espontaneamente, porque simplesmente desejo partilhar o que me vai na alma ao ler as suas reflexões.

Não sou cabo verdiana, mas adoptei cabo verde para viver. Sinto-me ‘em casa’, não pelo sol, mar, toda a beleza das ilhas, música… mas pelo povo, pelo calor humano, pelo djunta mô, pela vontade de querer fazer, de querer melhorar, de querer ser-se melhor. É assim que sinto o povo cabo verdiano.

Vejo-o como um líder raro, daqueles que passam pelo mundo e deixam marcas, fazem a diferença. Não apenas porque é Primeiro-Ministro, mas sim porque é o homem que é. A sua atitude, humildade, dignidade, determinação, firmeza, coerência, vontade genuína de querer melhorar, levam-no longe, a si e a Cabo Verde, que teve a inteligência de acreditar em si.

Gostava que assim continuasse, para poder prosseguir e dar continuidade a tudo o que já se alcançou na última década. Menos pobres, mais oportunidades, menos desigualdades, mais dignidade.

Partilho esta mensagem, porque me identifico totalmente com este apelo interior. Desde há muito que decidi dedicar a minha vida a ajudar quem mais precisa, a melhorar o mundo. Um dia reuni em mim toda esta vontade e deixei tudo – pai, mãe, irmãos, amigos, casa, emprego - e parti. Só com uma mala, mas com o peso de conquistar este grande sonho. Tenho percorrido mundos novos, entregando-me a servir quem mais precisa, na África do Sul, Moçambique, Nicarágua, Timor-Leste, Nepal, e Cabo Verde…fui enchendo a alma, dando e recebendo, e quantas lições de humildade…

Tenho a mente povoada de imagens e de momentos de dor profunda, em viagens e vivências por lugares pobres, tão pobres, que as crianças, mesmo sem forças para andar tal é a fome e a fraqueza, têm olhos meigos e sorrisos e mãos a acenar…muitas vezes me perguntava (e pergunto) PORQUÊ?? Como é possível?? E como se pode viver num mundo assim com tamanha injustiça? Impossível ser indiferente. Não conseguiria dormir, viver, respirar… Depois dos momentos de dor, tento concentrar-me no que se pode fazer de positivo, como ajudar, e retomo energias para continuar… continuar a lutar…sempre.

Compreendo muito bem as suas causas, as suas palavras, a sua decisão de ser quem é…e admiro, apoio, sorrio, emociono-me.

O seu modo de estar na vida, valores e princípios inabaláveis (usando as suas palavras), fazem-me mais crente de que tudo pode ir melhorando neste nosso mundo cheio de incongruências, situações inadmissíveis de injustiça e de miséria.

Obrigada! Por ser quem é, por ter a coragem e frontalidade de se abrir, por querer ser ouvido. Por inspirar.

Joana C.

Jorge disse...

Homem que elevou a dignidade cabo-verdiana,ao ponto de ser considerado, Cabo Verde, exemplo de boa governação, por Hillary Clinton. Vá em frente sempre com o mesmo sacrificio para o bem do povo. Não esqueça a diáspora em São Tomé que tanto precisa desse apoio. Como filho de caboverdianos, nascido em São Tomé quero agradecer pelos esforços que tem feito na melhoria das condições de vida dessas pessoas e que as ponha sempre na sua agenda.

www.jkrcardoso.blogspot.com