Durante o processo de preparação do XII Congresso do PAICV houve momentos «dolorosos» para mim.
Reflecti muito, ainda antes da minha recandidatura a Presidente do Partido – fiz o lançamento da candidatura às primeiras eleições directas para Presidente do PAICV precisamente no dia do nascimento de Amílcar Cabral, a 12 de Setembro de 2009. As eleições foram no dia 11 de Outubro.
Pensei muito sobre as razões que me levaram a fazer e a estar na política – não me considero um político profissional, não quero fazer da política o meu modo de vida. Diria que, neste mundo, há mais vida para além da política.
Quando criança convivi de perto com a pobreza. Nunca me faltou nada em casa, levava uma vida remediada. E não entendia bem as razões de tanta miséria – gente que sequer podia levar a panela ao lume ou comprar um pedacinho de peixe que fosse para por na cachupa, só o «caldo de galinha», outros nem isso. As desigualdades gritantes entre «brancos» e pobres, a dramática escassez de água, «os campos sem nada; os meninos espantalhos atirando fundas; as lágrimas vertidas por aqueles que partem», as casas de pedras soltas sem fumo, sem pão, sem luz e sem palavras, estas esmagadas pela dor, pela desesperança, pela morte lenta.
Fora do meu alcance as razões de tanta angústia, desta resignação toda, as razões de tanto sofrimento.Quis, desde cedo, ser Padre, sempre quis partilhar com as pessoas os valores nobres do cristianismo, que ia aprendendo na Igreja, e marcam profundamente a minha forma de ser e de estar, sempre propugnei por uma sociedade mais igual, mais justa, mais solidária, tive sempre um desejo ardente de servir, de realizar o bem comum.
Filho de mãe solteira, não pude entrar no Seminário de São José – João Branco, meu avô, santantonense de gema, também nunca gostou da ideia… Mas sempre ajudei à missa – lembro-me com saudades dos Padres Moniz e António Botelho, meus grandes amigos.
Padre Moniz emprestou-me os primeiros livros sobre a Igreja e a literatura portuguesa, enfim, um professor – participei em grupos de teatro da Igreja, lembro-me da homenagem ao Senhor Padre Luís Allaz nos 25 anos da sua chegada a Santa Catarina e o poema que recitei «…Missionários de Deus, que tudo dão a Deus no seu adeus… e lá vão, lá vão…», fui catequista, ainda muito jovem, tal a confiança que o saudoso António da Moura, responsável dos catequistas em Pedra Barro, tinha em mim…
Depois, com os olhos postos no serviço público, a minha grande ambição era ser Administrador do Concelho – pensei que, tendo poder, podia ajudar as pessoas, maxime os mais vulneráveis, os menos possidentes, a viverem com mais decência e mais dignidade.
Mais tarde, na escolha do curso, agronomia ou medicina, para apoiar os agricultores ou contribuir para a saúde das pessoas, eram as minhas preferidas. Aliás, só não me inscrevi no grupo de ciências na altura, porque no dia em que me desloquei à Praia para fazer a matrícula no então 6º ano (1º do Curso Complementar), não trouxe de Assomada o BI e, depois, depois quando vim fazer a matrícula, o Zé Hopffer e o Tonecas, meus grandes amigos do Liceu, tinham-me já influenciado a mudar de ideia, e decidi fazer o 4º Grupo, que daria abertura para economia e gestão.
Acabei por concluir o 7º ano com o 3º Grupo, na altura já desejando cursar direito, para ser magistrado e fazer justiça, ou sociologia. Hoje sou formado em Administração numa escola de negócios e governação. Depois conto-vos a história toda.
É claro que pelo meio tivemos o 25 de Abril, tinha 14 anos na altura, e a revolução da Independência. Desde o primeiro momento percebi que a Independência era o caminho para a liberdade, para a dignidade das cabo-verdianas e dos cabo-verdianos.
Participei em todos os comícios, em todas as manifestações, em Assomada e na Praia. No dia 05 de Julho, fugi e vim à Praia com o meu grande amigo Anterona, para assistir, na Várzea, à proclamação da Independência, através daquela voz potente e embargada pela emoção de Abílio Duarte. Percebi logo que um mundu novu tava ta konki na porton di nos ilha. E foi a explosão e uma vontade enorme de agarrar o futuro.
Foi essa inabalável crença minha na dignidade da pessoa humana, foi esse desejo incontido de promover o bem comum, de construir uma sociedade mais justa e mais solidária, o meu amor ilimitado pela liberdade, que me empurraram, com 17 anos, para a política, muito com a ajuda do Zé Hopffer, este sim muito mais adentro das questões políticas da época e mais conhecedor dos meandros político-partidários. Fenómenos havia ainda intangíveis para mim no mundo da política.
Fui eleito Deputado, Presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina, Primeiro Ministro. A política só vale a pena quando é feita com nobreza, com tolerância, com responsabilidade, com ética, para servir o bem comum.
Nove anos depois de chegar ao poder, teria de reflectir se faz sentido continuar, se ainda tenho vontade e energia suficientes, se ainda tenho capacidade para criar ideias novas e inovar, a humildade para ouvir e melhorar.
Tinha de recuar um pouco e analisar e avaliar este percurso de 9 anos, para saber se ainda podia ser útil à sociedade, se podia continuar a liderar de forma criadora e inovadora o meu país neste fantástico processo de transformação para a construção de uma sociedade mais livre, mais democrática, mais igual, mais justa e mais solidária.
Foram momentos «dolorosos» de intensa reflexão, quase sempre sozinho, no silêncio do meu quarto.
Concluí, com toda a humildade, que, ainda, tenho muito a dar a este país. Por isso decidi submeter-me ao sufrágio dos militantes do meu Partido, e, consequentemente, à avaliação dos cabo-verdianos nas próximas eleições legislativas. Não tenho mais nenhuma ambição senão a de continuar a servir o meu país.
O XII Congresso foi um grande momento de liberdade e de democracia. Criamos e inovamos. Temos novas respostas para estes novos tempos. Merecemos continuar juntos a construir, com muito amor à terra, o futuro.
JMN